A vida torna-se muito diferente de acordo com a visão que se tem dela. Por exemplo, nossa visão ou atitude em relação à vida e à morte pode facilmente nos tornar perturbados e sombrios ou fazer nossa vida harmoniosa, pacífica e luminosa.
Eu gostaria de falar sobre uma visão sadia da vida e da morte, porque as diferentes religiões, culturas e raças têm diferentes perspectivas sobre a vida, a morte, a natureza, a moralidade, a política, etc.
A cultura norte-americana enfatiza a juventude, o crescimento, o progresso, o sucesso; ela não considera a velhice e a morte como partes do processo de nascimento e crescimento. A velhice é considerada feia, uma coisa a ser combatida; e a morte inevitável é odiada e temida. Mas a vida inclui tanto vida como morte, e elas não podem ser separadas. A vida não é só juventude ou crescimento; ela também inclui a morte. A velhice e a morte não feias ou odiosas; elas devem ser compreendidas como parte do crescimento e maturidade. A maturidade é bela e a morte faz parte da natureza.
Outro dia, um viajante do Oriente disse que a cultura norte-americana não possui uma filosofia sobre os idosos e a morte e, portanto, sua visão da vida é superficial. Talvez esta superficialidade seja devido à natureza do próprio país, que é jovem e vigoroso; ou talvez porque aqui se dá demasiada ênfase à juventude, à beleza e ao crescimento. No entanto, como em qualquer outro país, também aqui as pessoas nascem, amadurecem e morrem. Ainda assim, a cultura norte-americana é feita das mais completas dicotomias – dicotomizamos a vida e a morte, a juventude e a velhice, e pensamos que a vida é boa e bela enquanto a velhice e a morte são más e feias. Por isso, aqui os idosos se sentem tristes e desprezados; os jovens expressam sua aversão pelo envelhecimento; e todos temem a morte. Parece que filosofias e religiões inteiras se desenvolveram a partir do medo da velhice e da morte.
Mas, por que dicotomizamos a vida e a morte? O budismo ensina a falsidade disso, pois a vida e a morte não são pólos opostos e sim fases complementares de uma mesma vida. Assim como o metabolismo em um organismo vivo inclui tanto o anabolismo quanto o catabolismo, a vida não poderia existir sem ter a morte como um de seus processos. Não existiria a vida sem a morte.
A vida e a morte não são boas nem más, feias ou bonitas; apenas são tais como são – ou tais como você as vê. Todos nós apreciamos o desabrochar da primavera e o verde do verão. Mas, acaso também não são belas as douradas folhas mortas do outono? É lindo contemplar as folhas douradas desprendendo-se dos galhos, mesmo quando não há vento, e caírem dançando até o solo, retornando à terra mãe. As folhas do outono são mais poéticas que o verde do verão. A primavera é romântica, mas o outono é sereno e meditativo.
A velhice e a morte são processos naturais da vida e é assim que devem ser encaradas. Uma pessoa idosa tem dignidade e sabedoria, e deve ser respeitada e honrada. Nos lares tradicionais do Oriente, os idosos são profundamente amados e respeitados. As crianças amam mais os avós que os próprios pais.
O idoso deve viver como idoso, sem competir com o jovem. E vice-versa. Comparar e competir é criar problemas. O idoso oferece, o jovem ouve; isso é harmonia, esta é a lei da complementaridade, assim como o céu e a terra, o positivo e o negativo, o yin e o yang, se harmonizam e tornam-se unos. A vida é uma; esta é a beleza da vida. Unidade na diversidade; esta é a beleza da natureza.
Nossa vida tornou-se demasiado utilitarista nesta cultura da máquina, onde aquilo que não produz é considerado inútil e precisa ser descartado. Nesta cultura, os idosos são inúteis porque deixaram de produzir; logo, são ignorados ou tratados com desprezo. Parece que, com a filosofia pragmática e a cultura utilitarista, nossa vida tornou-se uma máquina produtora e perdeu sua beleza e seu calor.
A vida é nobre; também é nobre a morte. A morte é o complemento e a realização da nossa vida. É melhor morrer com nobreza do que viver na desonestidade e desgraça. Como morrer com nobreza e paz, como viver com nobreza e paz – isso é religião. Quando vivemos cada momento eterno com plenitude e honestidade, podemos morrer com nobreza e paz. Há um antigo ditado no Japão: é melhor morrer como uma jóia quebrada do que existir como um tijolo quebrado.
Vivemos pelas leis da morte. As pétalas da flor fenecem, mas deixam suas fragrâncias; o homem morre, mas deixa seu nome. Quang Duc, o monge sul-vietnamita, viveu ao morrer. Ele dedicou e realizou sua vida na morte. Sua morte não foi suicídio nem sacrifício; foi o mais sincero e bravo apelo ao seu governo para que acabasse com a injusta repressão aos budistas. Um antigo provérbio chinês diz que a morte é mais leve que o couro de uma vaca. Patrick Henry bradou, “Dai-me a liberdade ou senão a morte!” e Daisuke Itagaki disse, “Embora Itagaki morra, a liberdade não morrerá”. Estas afirmações demonstram que, para estes homens, era mais fácil morrer do que renunciar aos princípios pelos quais viviam.
A morte não chega a ser um grande problema, mas o modo de viver é um problema importante. “Quanto mais ele vive, mais desgraça existe” – se estivermos falando de um homem desonesto. Se a pessoa compreende o princípio da vida, então a morte não é problema. A vida e a morte são unas e inseparáveis. Morremos, sim, porém não morremos. Vivemos além da vida e da morte. Devemos viver plenamente este eterno hoje.
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